quinta-feira, 21 de agosto de 2008

"....O CORAÇÃO AO ENTENDIMENTO" (*)


Eu bebo desse silêncio.
Uma nota só ao piano.
Noite não se fará no coração.
Palmas na sala. A treva é canhota.
O olho direito da luz
traz uma estrela à janela.
O piano e a nota.
E a noite se solta.
Um inteiro mundo, sem rota
se faz vagabundo
sem destino, sem porta.
O diamantino umbral da lua
faz o olhar girar pelos espaços
e uma imensidão sustentar.
Nada se solta dos silêncios dos véus
mas esse luar reflete
a sombra dos céus
e já o amanhecer

insiste em chegar.


(título: de Provérbios 2.2)

(Direitos autorais reservados).

terça-feira, 19 de agosto de 2008

DO CORPO E DA ALMA

Não há traçado
sobre o silêncio da noite.
Nem a língua dos sábios.
nem o fascínio dos céus.
Carrego a algum lugar
essa rota de evocações.
Montanhista de vales profundos,
escalando, em túnica de flores mortas
até que a carne seja suficientemente
verde, para reflorescê-las no cume da alma.
Absurdamente escrevo, e revezo
os pés dentro da lei inexorável
do destino, para permitir-me chegar
sem as ausências que me desliquibraram.
Ao longo do caminho.
as nuvens como alimento.
O olhar, talvez, em monástico tormento,
ascende, ascende devagarinho.
Uma parte de mim leva os sonhos,
flores nômades nos beirais dos abismos.
E me farei cedo, para ver o novo dia nascer,
depois do esvaecer de todas as luas,

depois dos espasmos de todas as estrelas,
para voar, além do sono do pensamento,

e não precisar mais lutar
contra o próprio olhar
que, misteriosamente,
precisou entrevar
para amanhecer.
(Direitos autorais reservados).

domingo, 17 de agosto de 2008

VIAGEM INTERIOR


Vejo a casa amiga.
Ascendo a uma distância em espiral,
a um horizonte azul margeado
pelo sol.
Vou devagar. Bem aventurada,
sem desilusões.
Os lábios acesos de estrelas, canções.
Da minha vida tão pequena,
cabe a chave nessa porta.
E com a minha frágil pena
desenho um coração,
nos passos que Deus me mostra
pra não me perder dos sonhos
no árduo caminho de volta.



(Direitos autorais reservados).

sábado, 16 de agosto de 2008

JARDIM DOS SONHOS MORTOS



Chuva, águas...
Pântanos.
Dissolveu tudo. Desintegrou
As máscaras de pano, os alicerces de ferro,
Rapsódias desumanas, percussão de sons doentes
Glória inútil, sonho nati-morto, prematuro
Prazer em fazer o outro sentir dor – prazer mórbido
De erguer muros, de matar, sorrindo, o futuro.

Jamais mostrar a paisagem interior
O rosto, a voz, o olhar – essa única
Que seria a verdadeira, que poderia fazer
A aurora voltar..
Jamais ter coragem de soltar a própria voz,
Num cântico que fosse mesmo de água,
Que inundasse a vida, mesmo sem um “nós”.

Nessa gruta do meu velho sonho,
Onde a verdade dominava,
Construirei teu jazigo tristonho,
Com saudade daquele a quem um dia
Até ao meu anjo falava.

Temo a escuridão do ser.
Temo as árvores que escondem os frutos
Com medo de matar a fome do caminhante
Pelo simples prazer de ver um rosto morrer
Diante do pomar do nada na estrada da vida
Que é sempre longa e cruel
Para aquele que se faz dos sonhos, retirante.

Temo as melodiosas palavras dentro da noite,
Temos os jasmineiros de sentimentos póstumos
Que perfumam a vida
Com seu farelo de ossos
Para continuar seu sono consciente de sucesso,
e despertar, um dia,
sem vida nenhuma, nas brumas
do jardim dos sonhos mortos..


(Direitos autorais reservados).
Foto: AM Catarino

... E A PALAVRA LEVOU


Não lembro há quanto tempo ouvia as rosas falarem.

Parece-me que foi numa irrealidade,

eu era calada e o mundo falava.

Tinha um rosto. Depois o tempo passou,

a alma pousou sobre uma lenda sem vida.

Uma névoa em punhal cegou as margaridas.

Uma voz e era somente uma voz.

Sem rosto, sem endereço,

sem nome, uma forma no espaço,

nem mulher, nem homem.

Então, adormeci de tédio e tristeza

entre aquelas várias vidas

e as rosas viraram comida

pras formigas.

O amor que era doce virou fel

- por falta da verdade, o coração,

moribundo, escandalizou-se

com o rosto escondido de um deus

que fez da palavra sua dança

impondo um preço alto demais

(impossível de humanamente se pagar)

ao sonho e à esperança.



(Direitos autorais reservados).

terça-feira, 12 de agosto de 2008

ASA DA MANHÃ




Disseste a mim, de onde vim, pra onde vou.


Num momento único, ao abrir dos céus.


Água que numa grande noite jorrou


como pranto dos olhos claros de Deus.




Não envelhecerei esse sonho do amanhecer.


As tantas rugas são estradas no deserto.


De outras vidas trouxe esse mundo pra viver.


O inverno não matará a flor que está tão perto.




Quero ter, desse canto, sua asa da manhã


que voa junto à minha, qual alma-irmã,


em forma de luz, música sagrada, equilíbrio,




pássaros ao sol, planando eternidades.


Minha noite passada a limpo em claridade,


porta entreaberta para o mundo dos vivos.





http://recantodasletras.uol.com.br/poesiastranscendentais/1124211


(Direitos autorais reservados).

sábado, 9 de agosto de 2008

IN MEMORIAM de LUIZ HENRIQUE SCHWANKE


Não adianta perguntar

por que.

Os cisnes da consciência

velejaram para outras margens.

O bosque fez-se silêncio.

Partiram os olhos da paisagem.

E o canto triste

transitou rumo ao desconhecido,

aos elos perdidos.


O belo canto do amanhecer,

da beleza,

do ser,

decidiu se recolher.


Um outro canto

te aqueceu naquele dia.

Sobre a lápide

um nome - uma palavra fria.



Foto: http://www.schwanke.org.br/
(Luiz Henrique Schwanke 1951-1992)

(pinçado do meu livro "Asas ao Anoitecer",
Fundação Cultural de Curitiba, 2005)